quarta-feira, 14 de julho de 2010

PROFESSOR DE ARTE NÃO É DECORADOR DE ESCOLA

Uma série de enganos gravíssimos, por incrível que pareça, ainda compromete o ensino da arte nas escolas públicas, fruto da ignorância de algumas equipes pedagógicas que, por desconhecer as mais recentes concepções do ensino de Arte, insistem em querer confundir aulas de Arte com lazer.
De fato, as aulas de arte não podem ser usadas como terapia, como um descanso depois de uma “aula mais séria” (matemática, português, ciências...) para relaxar os alunos. A aula de Arte, de forma alguma, pode ser utilizada para fazer decoração de escola (professor(a) de arte não é decorador(a)), promover festinhas em datas cívicas (professor(a) de arte não é promoter), fazer “presentinhos” para o dia dos pais, das mães, das crianças, pintar “coelhinhos” da páscoa e árvores de natal.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394, de 1996 estabelece em seu artigo 26, parágrafo 2º que “o ensino da Arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o DESENVOLVIMENTO CULTURAL dos alunos”. “A arte é importante na escola principalmente porque é importante fora dela”.(Maria Celeste Martins, 1998). Portanto, nenhum DESENVOLVIMENTO CULTURAL traz em se pintar “coelhinhos” na páscoa, fazer árvores no natal, pintar “bandeirinhas” nas datas cívicas,fazer “presentinhos” para o dia dos pais, das mães ou das crianças. A arte deve ser trabalhada “como área com conteúdos próprios ligados a cultura artística, e não como atividade”.(PCN arte).
O(a) professor(a) de arte (seja efetivo, substituto ou estagiário) deve deixar isso muito claro para a equipe pedagógica de sua escola logo no início do ano letivo. Todas essas considerações devem constar, com muita ênfase, no item “Justificativa da Disciplina” do plano de curso anual, não como sugestão, mas de maneira imperativa, pois quem sabe o que trabalhar em cada sala de aula, em cada turma, em cada série é o(a) professor(a) que passou vários anos na universidade estudando para desempenhar essa árdua tarefa de ser professor(a) de Arte. A equipe pedagógica é meramente técnica, teórica, embora muitas escolas já tenham uma visão bem contemporânea do ensino da arte e muitos diretores, diretoras e equipes pedagógicas já deixam o professor à vontade para desempenhar sua atividade verdadeira no ensino da arte.
A Lei nº 5.692, de 1971 que criou o componente curricular Educação Artística determinava que a disciplina abordasse conteúdos de música, teatro, dança e artes plásticas nos cursos de 1º e 2º graus. Assim nasceu a figura do professor único que deveria dominar todas essas linguagens.
Pelo bem da disciplina essa concepção caiu e hoje as universidades de todo o Brasil oferecem Licenciaturas específicas em cada área do conhecimento da ARTE. O professor não pode e não deve ser polivalente em arte e a escola deve ter um professor em cada uma das áreas desse importante conhecimento; seja em artes visuais, dança, teatro ou música.
A Universidade Federal do Piauí, infelizmente, oferece apenas duas Licenciaturas: em artes visuais e em música, deixando o nosso estado sem profissionais habilitados para atuarem nas outras áreas fundamentais da arte. Assim, professores e professoras da rede pública, seja ela estadual ou municipal, ainda são levados a ministrar aulas numa habilitação distinta a sua; profissionais licenciados em música encontram escolas desestruturadas e despreparadas para recebê-los e se submetem a ministrar aulas de artes visuais e outras formas de arte, ocupando o lugar dos colegas, principalmente de artes plásticas. Não há quem fiscalize. Não há uma organização, não há uma associação que represente os arte-educadores (acho essa expressão feia, anacrônica) no Piauí. Estamos jogados ao Léo(leão).
Está na hora de começarmos impor nossas condições de trabalho. Não é mais aceitável ver nossa disciplina ser tratada como um “tapa buraco”. Um “entretenimento”, um “passa tempo”. Embora que, tentar mudar essa concepção de lazer da disciplina de Arte vá causar reações brutais por parte de direções de algumas escolas, como a que presenciei no ano de 2009 quando trabalhei na escola Profa. Helena Carvalho, no bairro Memorare, zona norte de Teresina, onde ouvi da Senhora Diretora, profª. Dulcila Castelo Branco Carvalho, que “Arte é uma disciplina inútil. Não serve ‘pra’ nada. Se eu tivesse o poder da caneta eu dizimaria essa disciplina do currículo”. Fiquei chocado em ouvir tais sandices de uma “des)educadora” por eu não ter obedecido a uma ordem de ‘decorar’ as salas para uma visita das técnicas da SEDUC e por me recusar fazer uns “bois” de EVA e “bandeirinhas” para colar nos corredores.

Referência:
Martins, Mirian Celeste Ferreira Dias
Didática do ensino de arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte / Mirian Celeste Martins, Gisa Picosque, M. Terezinha Telles Guerra. – São Paulo: FTD, 1998.